Sem compromisso…

fev 15, 2018 by

Sem compromisso…

Sem compromisso com a realidade e com a sociedade.

As tramas improváveis do folhetim eletrônico imaginado por Walcyr Carrasco, voltaram a gerar polêmica. Dessa vez, as cenas exibidas nacionalmente, mostraram a personagem da atriz Bella Piero afirmar que enfrenta problemas emocionais ligados às relações sexuais, e revelar que pode ter sido submetida a abuso, ainda na infância. E na novela, que em TV aberta alcança populações nas regiões mais distantes, ao invés de buscar o auxílio de profissionais com especialização em Saúde Mental, a jovem decide submeter-se ao treinamento oferecido por uma advogada, que informa ter feito “curso de coach”, em que também aprendeu hipnose.

Assim como ocorreu há algumas semanas, quando os malabarismos criativos da novela mostraram cenas de tortura, encenadas como se fossem tratamento médico; a emissora responsável pela disseminação das informações erradas, e que tanto prejudicam pacientes, profissionais e instituições, novamente se absteve de qualquer responsabilidade, justificando no caráter ficcional e “sem compromisso com a realidade”, o seu desserviço social.

São justificáveis as manifestações de repúdio empreendidas por entidades – em que até mesmo às ligadas ao coaching foram contrárias à confusão informativa encenada – e é longa a lista de argumentos que mostram a irresponsabilidade de difundir informações falsas nesse nível, com dano evidente para as pessoas que tenham sido submetidas a abuso, e desconheçam os caminhos que possam lhes oferecer auxílio. Contudo, ao observar a alegada banalização da inverdade, como ferramenta de entretenimento social, preocupo-me com o nível de disrupção a que estamos sendo submetidos.

Em um período em que tanto admitimos a existência da “pós-verdade”, como estamos nos habituando a perceber mentiras sendo usadas como ferramentas de contínua manipulação política e social. E sabendo que o “segredo do sucesso” das estratégias que usam a pós-verdade é, basicamente, aliar apelos às emoções (preconceito, medo, ódio, empatia, solidão) à comunicação em massa: preocupo-me muito quando percebo o argumento “sem compromisso com a realidade” usado, e aceito, com tanta naturalidade.

Além da parcela com predisposição genética a desenvolver algum tipo de distúrbio emocional – e nesses casos o risco é ainda maior, se ao usarmos as novas mídias eletrônicas, estivermos concordando passivamente em mergulhar em um mundo esquizofrênico, não será surpresa observarmos um consequente aumento proporcional nos casos de distúrbios de ansiedade, depressão e problemas relacionados ao consumo de drogas, entre outros. Aliás, esse aumento já é realidade.

Prof. Dr. José Toufic Thomé.